segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Grupos políticos controlam a mídia em São João del-Rei

Família Neves e deputado Reginaldo Lopes investem no poder dos meios de comunicação de massa

Ana Gabriela Oliveira, Rafaella Dotta e Thayná Faria

Importante fórum de discussão na modernidade, a mídia tem o potencial de contribuir para a efetivação da vida democrática. Para isso, deve estar a serviço do interesse social, informando e garantindo ao indivíduo chances de exercer sua cidadania. São João Del-Rei, entretanto, é um exemplo dentre muitas cidades brasileiras, em que a mídia está atrelada a interesses particulares, estreitamente ligados ao poder político.

Na cidade, os principais meios de comunicação de abrangência regional mantêm relação com a política. O jornal A Gazeta de São João Del-Rei, o canal de televisão TV Campos de Minas e as rádios São João Del-Rei e Vertentes, as duas últimas respectivamente AM e FM, são veículos que integram o grupo midiático pertencente à família Neves, enquanto o jornal Folha das Vertentes está ligado ao deputado federal Reginaldo Lopes (PT).
A Gazeta de São João del-Rei, jornal semanal que circula em mais de 10 cidades da região, foi fundada por Herval Cruz Brás há 12 anos e é um dos impressos mais lidos na cidade. Quando fundou o periódico, Herval era casado com Andréia Neves, irmã do senador Aécio Neves.
Atualmente, o jornal está em estado de espólio (divisão, depois da morte de Herval) e tem como editora chefe a jornalista Carla Gomes¸ além de uma equipe relativamente pequena, composta por duas jornalistas, dois colunistas, funcionários da diagramação, revisão, setor administrativo e serviços gerais.

A colunista da Gazeta Cláudia Simões, que trabalha no jornal desde a sua primeira edição, reconhece que há um vínculo da mídia regional com grupos políticos, que interfere na linha editorial. A colunista informou, inclusive, sobre o projeto de integração dos veículos do grupo midiático ligado à família Neves (Gazeta e as rádios São João e Vertentes) que passaram a funcionar no mesmo local em um prédio no Largo da Cruz, localizado no centro da cidade. A TV Campo de Minas continuará funcionando no bairro Tejuco, apesar de pertencer ao grupo.
No entanto, o assunto é polêmico, já que a editora chefe da Gazeta de São João del-Rei ,Carla Gomes, alega desconhecer vínculos do jornal com a família Neves. Ela afirma apenas que o veículo tem uma linha editorial, que é direcionada pela parte administrativa que está a cargo de Juliane Menezes Machado, considerada braço direito de Andréia Neves.
Juliane Machado, mesmo informando que é a responsável por administrar os quatro veículos de comunicação em questão, não admite que exista um grupo midiático controlado por Andréia Neves. Ela admitiu que a irmã do ex-governador é proprietária apenas da Rádio Vertentes. Quanto à Rádio São João, Juliane informou que o dono é um tio de Aécio Neves, mas que não tem ligação com a política. Sobre a TV Campo de Minas, a administradora disse que é de uma fundação.  

Já o jornal Folha das Vertentes circula há seis anos na cidade e possui como diretor Ancil Souza Filho, o Pinto, assessor político do presidente do PT – MG e deputado federal Reginaldo Lopes. A editora-chefe do jornal é Maria de Lurdes Lara, assessora de comunicação do mesmo político. Ancil, porém, não admite que o vínculo existente com o deputado petista interfira na linha editorial do jornal. Ele argumenta que o jornal dá espaço para todos os grupos políticos da região, sem distinção.

A ligação estreita entre mídia e imprensa influencia na escolha dos temas e na forma como estes serão tratados, comprometendo a responsabilidade social e a ética do jornalismo. Destinados a influenciar disputas políticas, os veículos de comunicação viram palanques, sobretudo em época de eleições.
Para evidenciar o vínculo dos grupos políticos com os meios de comunicação no Campo das Vertentes, basta uma análise de conteúdo do que é divulgado nos veículos. As sete ultimas edições quinzenais da Folha das Vertentes, correspondentes aos meses de junho, julho, agosto e setembro, apresentam matérias favoráveis ao PT, dentre elas: “Reginaldo Lopes visita campus do IFET em São João del-Rei” - uma das marcas de campanha do deputado é ter trazido o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) para a cidade (1ª quinzena de setembro), “São João recebe dois ônibus escolares do governo federal” (1ª quinzena de setembro), “Lula inaugura campi na UFSJ” (2ª quinzena de agosto), “IFET inaugura mais três cursos” (1ª quinzena de agosto), “Hospital inaugura lavanderia”- sobre investimento em equipamentos de hospital por meio de emenda de Reginaldo Lopes - (2ª quinzena de julho), “MEC investe R$ 2,5 milhões no IFET de São João del-Rei” (1ª quinzena de julho), “Dilma Rousseff fala para empresários em Tiradentes” (2ª quinzena de junho), “Reginaldo Lopes anuncia mais R$720 mil para a Santa Casa” (1ª quinzena de junho).
Mesmo dando destaque a outros assuntos, como denúncias contra o prefeito Nivaldo Andrade (PMDB) e matérias sobre o noticiário político de São João del-Rei, as manchetes citadas anteriormente evidenciam a linha editorial claramente favorável ao PT e, em especial, às ações do deputado federal Reginaldo Lopes.
A Gazeta, embora mais sutil em sua postura ideológica, apresenta clara linha favorável ao PSDB. De forma geral, o partido e seus aliados têm destaque no veículo, que não aborda falhas que envolvem o governo estadual. As críticas ao PT também são recorrentes no jornal, sobretudo na coluna de Jota Dângelo. Em sua coluna publicada no dia 28 de agosto deste ano, por exemplo, o escritor utiliza os termos “aloprados”, “corja” e “turma da pesada que gosta de fazer dossiês” para se referir a petistas.


Administração e linha editorial do grupo tucano

Juliane Menezes Machado possui seis empregos, quatro deles como diretora administrativa dos veículos Gazeta, Rádio São João, Rádio Vertentes e TV Campos de Minas, mas também é advogada e membro do Memorial Tancredo Neves.
Sobre a linha editorial dos veículos, Juliane afirma que podem ser parecidas, mas não são iguais. Ela argumenta que, no caso específico da TV Campos de Minas, a emissora já passou por várias administrações de diversos partidos, inclusive concorrentes. “Tanto em uma administração quanto em outra, a TV apura tudo”, disse. No entanto, fica a indagação: mas e os outros veículos como se colocam a frente de matérias de denúncias?
A Rádio Vertentes não trata da questão, pois seu maior investimento, como uma rádio FM, são os programas musicais. A rádio transmite apenas 5 minutos de jornalismo de manhã e 5 minutos à tarde. Diferente da Rádio São João, que possui programas jornalísticos muito populares, com ênfase nas notícias locais, como afirma Juliane, comparando o foco dessa rádio com o da TV. “Jornalismo voltado mesmo para o povão, tal qual a TV Campos de Minas.”, explica.
No caso da Gazeta, Juliane Menezes declara que o momento eleitoral pode trazer algumas implicações para a cobertura política do jornal. “Agora é importante dizer que num período eleitoral o impresso pode se mostrar tendente a alguma ideologia. O que é diferente de rádio e televisão. O impresso não depende de concessão, então ele tem mais liberdade de expressão.” Em relação à sua posição editorial, a Gazeta só se refere a algum fato contrário aos seus aliados quando isso já se mostra muito evidente. Na administração do Sidney Antônio de Souza – Sidinho do Ferrotaco (PSDB), por exemplo, o jornal não se omitiu de noticiar críticas, mas tomou cuidado para não ter muita denúncia, “para não apedrejar”, como afirma a colunista social da Gazeta, Cláudia Simões, em entrevista.
A colunista, que é a criadora do espaço “Luxo e Lixo” que compõe a coluna social, diz que, mesmo sendo um espaço para notas agradáveis, nem tudo pode aparecer no que ela publica. Cláudia Simões reconhece que existe parcialidade na linha editorial do jornal, por ser este uma das mídias pertencentes à família Neves, mas acredita que a Gazeta pratica um jornalismo equilibrado à medida que não assume de forma explícita a questão política.
Já Carla Gomes, editora chefe do jornal, quando questionada sobre a linha editorial das publicações são-joanenses que evidenciam uma linha favorável a grupos políticos, frisou que são linhas editoriais diferentes as definidas pelo setor administrativo dos veículos. “A administração repassa quando a pessoa é contratada qual é a linha que deve ser seguida (...) Se eu estou na Gazeta é porque eu concordo com essa linha editorial.”
A diretora administrativa Juliane, citada por Carla como o setor que repassa a linha editorial, também não soube definir claramente a política que define a linha editorial dos veículos: “Eu não posso responder precisamente essa parte editorial porque eu não sou jornalista nem editora-chefe.” Entretanto, ela afirma que o editor-chefe tem que seguir um viés editorial definido por aqueles que têm maior poder sobre o veículo, os proprietários.
A Rádio Vertentes tem dois proprietários, João Bosco, ex-reitor da UFSJ, e Andréia Neves. A Gazeta estava no nome de Herval, que era marido de Andréia Neves, e agora está em estado de espólio (divisão, depois da morte de Herval). A Rádio São João está no nome de Tancredo Augusto, filho de Tancredo Neves e tio de Andréia. E a TV Campos de Minas é uma fundação, com um conselho diretor e um conselho curador.
Apesar da propriedade direta de três desses meios de comunicação à família Neves, Juliane Menezes declara: “É importante falar que não existe unificação na família Neves. Existem pessoas que estão na política hoje e tem pessoas que não estão” (se referindo a Tancredo Augusto, dono da Rádio São João Del Rei), contrariando a hipótese de um bloco unificado dessas mídias.


Entrevista: Ancil Souza Filho – diretor da Folha das Vertentes

“As mídias não podem ser instrumento de manipulação da opinião publica. E é para isso que elas são usadas em São João Del-Rei”. Esta afirmativa é do assessor parlamentar do deputado Reginaldo Lopes (PT) há um ano e amigo do político há mais de vinte, Ancil Souza Filho, conhecido como Pinto, que fala sobre a relação mídia e política e sobre o jornal Folha das Vertentes, do qual é diretor. Ao mesmo tempo em que condena o vínculo de órgãos de imprensa com políticos da região e faz críticas diretas ao jornal Gazeta de São João del-Rei, Ancil se defende ao afirmar que a Folha das Vertentes é isenta em sua linha editorial e não privilegia o PT nem o deputado Reginaldo Lopes.

Blog: Os veículos de comunicação, dependendo de sua linha editorial, tratam de formas diferentes um candidato? Por exemplo, na mídia nacional há veículos de comunicação que são claramente anti-petistas. A visibilidade do Reginaldo Lopes, que é do PT, se vê prejudicada por esse tipo de linha editorial? 
Recentemente, Paulo Henrique Amorim, jornalista célebre e que muito marcou a vida da imprensa no país veio a Minas lançar o PIG. O PIG é o Partido da Imprensa Golpista, uma maneira que ele achou de protesto contra essa imprensa tendenciosa e que se posiciona a favor deste ou daquele.
Primeiro é bom que a gente entenda o seguinte, a mídia está ali para dar opinião, não para dar informação. E o que a gente sente hoje no país é exatamente isso: a mídia forma opinião, não dá informação. Basta você ver os veículos de comunicação como a própria Veja, que foi uma revista que já teve seu momento áureo na vida pública do país e que hoje é claramente dedicada a um projeto de direita no Brasil. Eu não acho que é propriamente da direita ou da esquerda que a revista tem que estar do lado, ela tem que estar, simplesmente, relatando os fatos como eles são e deixar quem está lendo fazer sua análise.
A gente também sabe que todo esse processo direcionado da mídia é também no âmbito da esquerda, porque foi onde a esquerda também achou que tem que buscar o seu espaço. Eu acho que a isenção total hoje é um pouco, digamos assim, difícil. Porque que eu digo isso: porque os veículos vivem de que? Tem que pagar funcionários e tem que se manter também. E aí, o que acontece, acaba-se, de uma forma ou de outra, tendendo para um lado ou para outro.  [...]

Blog. O Reginaldo Lopes, em especial, se vê prejudicado nessa questão?
Vamos falar de São João Del-Rei: nós temos uma mídia aqui que a gente sabe de quem é (se referindo aos veículos ligados ao político Aécio Neves). O Reginaldo não tem espaço nessa mídia. Essa mídia não pertence aos interesses dele. Mas o que mais me chama a atenção é que essas pessoas que giram em torno dessa mídia disfarçada não prejudicam o Reginaldo, prejudicam a comunidade, porque muitas das vezes nós não temos outro jeito de conversar com a comunidade e elas não percebem o tanto de coisas que o deputado faz. [...].

Blog. O Sr. acha que essa ligação entre mídia e poder é prejudicial a democracia?
Não precisa nem deu falar, né? Isso é concessão publica. Televisão e rádio são concessões publicas. Não importa quem esteja administrando essas mídias, se o poder público não der a concessão elas simplesmente não existem. Então elas não podem ser instrumentos de manipulação da opinião publica. E é para isso que elas são usadas em São João Del-Rei. E isso eu falo e provo. Eles (falando dos veículos ligados a Aécio Neves) não são isentos, e é dessa forma que funciona. Só que ninguém tem coragem de falar. [...] Falo isso como cidadão, mas em nome do mandato eu acho que cabe a nós buscar outros meios de estar se comunicando com a comunidade.

Blog. E quais são as formas que os senhores utilizam para se comunicar com a sociedade?
É justamente estando junto da comunidade, participando ativamente dos movimentos sociais... [...] Hoje também você não precisa ficar ligado buscando essa mídia tradicional. Há outras ferramentas como a internet, o twitter, e-mails, que eu acho que são até mais eficientes porque as pessoas que realmente querem formar uma opinião buscam se informar pelas mais diversas maneiras, não só pela mídia tradicional.

Blog. Continuando com a mídia tradicional, a gente não pode deixar de falar da Folha das Vertentes. O senhor é assessor político do Reginaldo e diretor do jornal. Ao mesmo tempo, a assessora de comunicação do político, Lurdes Lara, é a editora-chefe do impresso. Há uma clara ligação entre a Folha das Vertentes e o deputado.
Só com uma diferença, se você pegar todas as edições da Folha das Vertentes, você vai ver que nós não discriminamos, nós não temos censura. Nós falamos de todos, tanto de um lado quanto de outro.

Blog.Uma análise das ultimas edições do jornal parece deixar claro que o veículo privilegia políticos do PT, sobretudo o Reginaldo Lopes.
O jornal existe há seis anos, várias ações de todos os partidos estão lá. Nós não nos furtamos de falar do ex-governador, do atual governador, do prefeito que não é do nosso lado. [...] Procure todos os últimos anos e veja quanto já escrevemos relacionados a outros assuntos e a outros partidos políticos.

Blog. Qual é a exata relação do Reginaldo Lopes com o jornal? Ele é proprietário?
Nenhuma relação. O jornal tem dono, quem quiser olha no registro. Ele é uma sociedade, são várias as pessoas que são donas dele.

Blog. Qual é a linha editorial do jornal?
Como de qualquer outro, informar.

Blog. O Sr. falou que a mídia atual está aí pra dar opinião, não para dar informação. Na Folha das Vertentes vocês dão opinião ou informação?
Aí quem vai fazer essa leitura é quem lê, não sou eu. Eu não tenho o direito de achar que estou formando ou dando opinião, quem faz isso é quem lê.

Blog. O Senhor falou que o deputado às vezes tem dificuldade de conseguir visibilidade em outras mídias. Vocês não usam o jornal para conseguir um espaço para o deputado?
Não, que eu saiba não.  Se tem ações dos outros nós falamos também.