quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Especialistas criticam lei contra as palmadas

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já prevê punições a maus tratos contra crianças
Karen Abreu, Natasha Passos e Suellen Passarelli

O projeto de lei que estabelece o direito da criança e do adolescente de não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos, ainda está em trâmite, mas já causa polêmica entre as famílias e especialistas. O PL 2654/2003 é de autoria da deputada Maria do Rosário (PT – RS) e ficou conhecido como a “Lei contra as Palmadas”.
Ainda não é lei, mas o projeto 2654/2003 causa divergência de opiniões entre especialistas e leigos. A pedagoga Silvana Maria Pereira de Pádua, 42, acredita que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já prevê situações e pune quando ocorrem. “Não vejo sentido para essa lei a não ser causar uma desordem ainda maior”, afirma. Para ela, em vez de criar novas regras, deveriam se cumprir as que já existem.
Em relação à autoridade dos pais, a pedagoga Silvana afirma que “cabe a família decidir o que é melhor fazer para educar. A educação que ocorre no seio familiar é pessoal e intransferível, não há porque intervir em algo que apenas os envolvido devem controlar e ajustar”. Para ela, o que não pode ser dispensado na educação é o desejo de se fazer o melhor, mesmo que o amor paternal venha revestido de disciplina, controles rígidos que cabe aos pais decidir quais são.
A advogada Paula Terra Passos de Souza também se posiciona contrária ao projeto. “Caso o projeto venha a ser efetiva lei, nós iremos conviver com texto de lei que já nasce morta. A palmada, um exemplo de castigo físico moderado para fins pedagógico, é tão forte na cultura nacional, está presente nas lembranças de infância de diversos adultos saudáveis, que é socialmente aceitável. Tal conduta não poderá ser extinta de um dia para outro. Noutro passo, estaremos considerando ato de lesão corporal leve a conduta da mãe que leva sua filha recém nascida para furar as orelhas”, argumenta.
O conselheiro tutelar de Lavras (MG), Salomit Bento Rosa da Silva, 47, é outro profissional que vê problemas na execução do projeto. Segundo Salomit, o projeto de lei somente terá sentido se, primeiramente, for investido na educação escolar, pois informações do tipo “agir com violência é errado” devem ser difundidas na escola, já os pais, que não tiveram acesso à escola, transmitem para os filhos apenas o que aprenderam no lar. Ou seja, o “tapinha” educacional acabou fazendo parte da cultura, uma vez que foi passado de geração para geração.
O conselheiro enfatiza a existência do ECA e a falta de conhecimento sobre este. “Para que este projeto tenha bom resultado, as leis que protegem as crianças devem ser colocadas em prática, priorizando educação, esporte e lazer”, afirma. De acordo com Salomit, o governo não tem estrutura para fiscalizar todos os casos de denúncia de negligência paterna, ainda mais em caso de palmadas educativas. Em uma cidade como Lavras, com mais de 90 mil habitantes, existe apenas uma sede do Conselho Tutelar com apenas cinco conselheiros. Segundo o conselheiro, para que o projeto se torne lei, deveriam ocorrer mudanças estruturais, desde o início, como cursos de capacitação para profissionais até instruções para os pais de como educar o próprio filho. Sendo assim, ao cumprir esta lei o Estado iria tirar a autoridade dos pais.
Corre-se o risco de ocorrer, assim, uma “terceirização da educação”, conforme ressalta a psicóloga do Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), Cintia Silva Coelho. No entanto, contrapondo-se aos demais especialistas, a psicóloga acredita que o projeto é interessante, desde que venha acompanhado de uma reestruturação no setor de educação do país.
A mãe Regina Maria Andrade Zanolla, 52, é favorável ao projeto. Como castigo, colocava seus filhos sentados na “cadeirinha do pensamento”, mas nunca levantou a mão para nenhum dos seus dois adolescentes. No entanto, a comerciante Vera Lúcia Coelho Cardoso, 63, tem uma visão tradicional sobre a educação dos filhos e acredita que se deve corrigir a criança na hora da raiva. Para isso, ela utilizava a tradicional palmadinha.

Conselho Tutelar recebe denúncias de maus tratos
O Conselho Tutelar de Lavras recebe cerca de 30 denúncias diárias, sendo que sempre há casos graves envolvendo menores. Em um deles, o conselheiro de plantão atendeu à meia-noite uma denúncia de abandono de incapaz. Ao chegar ao local, a vizinha que havia denunciado estava com o bebê de apenas cinco meses no colo alegando que não havia ninguém na casa da criança. A mãe, de 18 anos, estava em um bar consumindo bebida alcoólica, enquanto seu filho dormia em casa sozinho
A mãe apareceu em casa apenas duas horas depois, em estado de embriaguez, alegando não possuir parentes na cidade. Além disso, a jovem agrediu a vizinha que havia a denunciado. A criança foi encaminhada a um abrigo. Somente no outro dia, o conselheiro descobriu que a avó do bebê residia em Lavras. Consequentemente, a adolescente foi presa por abandono de incapaz e omissão de informações.
Em outra situação, uma criança de cinco anos acompanhada da tia e da avó foi levada ao Conselho, porque a avó notou que havia hematomas pelo corpo, causadas por agressões feitas pelo padrasto. Este foi preso juntamente com a mãe da criança.

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