Entenda o Projeto de Lei da Câmara Federal que encontra dificuldades para chegar à avaliação e sanção do presidente Lula
Alisson Reis e Marcos Paulo
Com o objetivo de criminalizar os preconceitos motivados por questões de orientação sexual e identidade de gênero, equiparando-os aos demais preconceitos, encontra-se em votação no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, de autoria da deputada federal do Partido dos Trabalhadores de São Paulo, Iara Bernardi. Apesar dos intensos esforços e conquistas do Movimento LGBT Brasileiro em relação ao PLC 122, que já passou pela Câmara Federal, o projeto ainda precisa ser votado no Senado Federal.
A proposta que também enfrenta resistência de segmentos religiosos, tem a senadora Fátima Cleide (PT-RO) como relatora, tanto na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) como na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
A homofobia é um termo utilizado para identificar o ódio, a aversão ou a discriminação de uma pessoa contra homossexuais e, consequentemente, contra a homossexualidade. O termo é um neologismo criado pelo psicólogo George Weinberg, em 1971, numa obra impressa, combinando a palavra grega phobos ("fobia"), com o prefixo homo-, como remissão à palavra "homossexual".
Alguns estudiosos e militantes do movimento LGBT atribuem a origem da homofobia às mesmas motivações que fundamentam o racismo e qualquer outro preconceito. Para o coordenador do Movimento Gay Regional do Campo das Vertentes (MGRV), Carlos Bem, uma lei de abrangência federal que regulamente a proibição da discriminação do homossexual é o primeiro passo para que o Estado Brasileiro reconheça estes indivíduos como cidadãos de direito, para que, portanto, sejam merecedores de tal proteção governamental. “Este é o primeiro passo para se vencer a homofobia cultural”, afirma.
A advogada Paula Terra, apesar de considerar que projetos de lei não são garantia de direitos porque podem ser facilmente arquivados, tem conhecimento sobre o teor do projeto que criminaliza a homofobia e afirma que a discriminação, por qualquer motivação, é considerada crime por lei. No Brasil, além da Constituição de 1988 proibir qualquer forma de discriminação de maneira genérica, ainda não há proteção específica na legislação federal contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.
No entanto, por não haver proteção, esta parcela da população brasileira continua sofrendo discriminação (assassinatos, violência física, agressão verbal, discriminação na seleção para emprego e no próprio local de trabalho, escola, entre outras), e os agressores continuam impunes. É o caso do professor de latim Estevão Souza, de 32 anos, que já foi vítima de homofobia. “Já sofri preconceito sim. Foi em uma época que não era assumido, contudo já haviam desconfianças e fui apedrejado por uns caras que se diziam colegas,” relatou.
Apoio ao projeto
Segundo pesquisa telefônica conduzida pelo DataSenado em 2008 com 1120 pessoas, em diversas capitais, 70% dos entrevistados são a favor da criminalização da homofobia no Brasil. A aprovação é ampla em quase todos os segmentos, seja no corte por região, sexo e idade. Mesmo no corte por religião, a pesquisa mostrou uma aprovação de 54% entre os evangélicos, 70% entre os católicos e adeptos de outras religiões e 79% dos ateus.
No campo político, em 2008, o presidente Lula deu um passo importante nesta questão quando foi realizada a I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transsexuais.
No contexto regional do Campo das Vertentes, o ativista do MGRV Carlos Bem destaca o desembargadora aposentada Maria Berenice Dias como uma das forças políticas que ajudam mais colaboram a favor dos GLBTs frente ao judiciário brasileiro. “Juridicamente tem-se um avanço junto ao Ministério da Justiça, que tem começado a desenvolver ações em prol dos direitos humanos LGBT”, reconhece.
Falta de debate e oposição
Um dos entraves para a aprovação do projeto é a falta de discussão da homofobia na sociedade e, principalmente, nos meios de comunicação de massa. A grande mídia no Brasil, a despeito de alguns artigos em jornais impressos e em sites de notícias, não abre espaço para uma discussão sadia em torno da criminalização da homofobia e sobre os direitos dos gays.
Apresentar personagens homossexuais em novelas e filmes pode parecer um avanço, na medida em que ajuda a dar mais visibilidade à comunidade homossexual, mas não tem sido o suficiente para que a sociedade se abra a discussão dos direitos universais dos GLBTs. O movimento LGBT critica a forma como os homossexuais são retratados, principalmente nos programas humorísticos em que são rotulados de forma pejorativa.
No campo religioso, há muitas resistências à homossexualidade e a qualquer tentativa de aprovação de leis favoráveis ao movimento LGBT. Existe uma expressiva bancada evangélica no Congresso Nacional que tem criado entraves às reivindicações deste público. Os religiosos, como os principais opositores aos homossexuais, consideram o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo como uma prática ‘pecaminosa” que não condiz com os princípios cristãos. Ainda há algumas igrejas alegam que a homossexualidade é uma doença ou um distúrbio passível de ‘tratamento’. Deve-se destacar que somente em 1973 o campo da medicina retirou o homossexualismo da lista de patologias. Por isso, o termo passou a ser denominado homossexualidade, compreendido como orientação sexual.
Um manifesto publicado em 2007 pela Visão Nacional para a Consciência Cristã (Vinacc) defende que se deve proporcionar uma consciência baseada nos valores cristãos e que o projeto de lei, caso aprovado, pode instituir um atentado à família e às garantias constitucionais de liberdade de pensamento, expressão e de religião. A Frente Nacional Evangélica considera que, a pretexto de combater a homofobia, o projeto fere o direito de expressar. A comunidade cristã alega que não é obrigada a aceitar padrões impostos por outrem, contrariando o próprio ordenamento jurídico e os princípios divinos.
O representante da Igreja Internacional da Graça de Deus em São João del Rei, pastor Daniel Augusto, acredita que, se sua igreja tivesse poder de voto, ela seria contra a aprovação do projeto que criminaliza a homofobia. De acordo com o pastor, tal atitude seria tomada por prevenção quanto ao risco de conseqüências futuras para os pregadores evangélicos, já que qualquer insinuação contra a prática homossexual poderá gerar processos judiciais contra os líderes religiosos. “Nós pastores que pregamos a palavra de Deus, que não aprova o ato sexual entre pessoas do mesmo sexo, mas que ensina a acolher e a amar todos nossos irmãos e irmãs, defendemos e praticamos o amor cristão ao próximo sem distinção. Um projeto como este que tramita no Senado implicará ações de censura nos cultos religiosos, já que passaremos a tomar muito cuidado com as pregações a respeito da sexualidade, a fim de evitar qualquer ambigüidade que possa dar margem para interpretações equivocadas por parte dos homossexuais” explica.
Para ilustrar uma possível situação e suas conseqüências após a aprovação do projeto, o pastor Daniel Augusto citou o seguinte exemplo que despertaria muita polêmica. “Suponhamos que um casal homossexual chegue na minha igreja e queira se casar. Eu recuso, porque a palavra de Deus diz que todo homem deve se unir a uma mulher. O casal se sente ofendido e resolve me processar como criminoso. Já imaginou? Acho que este projeto deve ser revisado, sobretudo as partes que tangem aos cultos e celebrações religiosas, já que não discriminamos ninguém, apenas pregamos a palavras e os ensinamentos de Deus” esclarece.
O pastor fundador da Igreja Assembléia Sala do Trono da Glória de São João del Rei, Wecsley Sandim, também não aprovaria o projeto que criminaliza a homofobia, já que sua igreja também poderia ser afetada por pregar de forma incisiva contra a prática homossexual. Procurado para dar o parecer da Igreja Católica sobre o projeto, o vigário geral da Diocese de São João del-Rei, padre Dirceu de Oliveira Medeiros preferiu não comentar o assunto, já que ainda não conhece o projeto de maneira consistente.
Carlos Bem rebate as críticas e afirma que existe no Congresso uma frente parlamentar evangélica que derruba todo projeto que tenha o objetivo de avançar na garantia dos direitos humanos LGBT. “No caso do PLC 122, os fundamentalistas religiosos têm adotado um discurso deturpado em relação projeto”, criticou.
Cidades pioneiras no Brasil
A primeira cidade a aprovar leis que criminalizam a homofobia foi Juiz de Fora. No ano 2000 foi aprovada, com a iniciativa do vereador Paulo Rogério dos Santos (PMDB), a Lei 9.791, mais conhecida como Lei Rosa. A partir desta, a legislação que pune qualquer discriminação por orientação sexual é a primeira no país a garantir o direito de casais do mesmo sexo de se trocar afeto em público. Essa lei tornou-se assunto na padaria, no ponto do ônibus, nas mesas de bar juiz-foranos. A decisão da câmara da cidade despertou muita polêmica, ganhando defensores e opositores na sociedade de Juiz de Fora.
No estado de São Paulo, a lei estadual 10.948/2001 estabelece multas e outras penas para a discriminação contra homossexuais, bissexuais e transgêneros.
Já em São João Del Rei/MG, o prefeito Sidney Antonio de Sousa (PSDB) sancionou, em 2007, a Lei Municipal que "dispõe sobre a ação do município contra as práticas discriminatórias por orientação sexual". O projeto prevê penalidades para pessoas físicas e jurídicas que tiverem qualquer ação discriminatória com gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais no município.
No cenário mundial
A questão da homossexualidade é tratada de forma diferente nas legislações dos diversos países. Na Holanda, Bélgica, Espanha, Canadá e África do Sul é adotada uma postura liberal. Nestes países já existe o direito dos homossexuais de oficializarem as suas uniões, através do casamento. Inglaterra, Uruguai e Guiana Francesa admitem a formalização de um contrato semelhante ao de casamento, apesar de ainda não se poder utilizar esse termo.
Na América do Sul, o Senado da Argentina aprovou no dia 15 de julho a Lei do Casamento Igualitário. O resultado positivo para os homossexuais de nosso país vizinho saiu após mais de 15 horas de acalorados debates. A lei desencadeou uma reforma no Código Civil.
A Argentina tornou-se o primeiro país latino-americano a conceder esse direito aos gays e lésbicas. O público LGBT argentino, agora, também goza de todos os direitos legais, responsabilidades e proteções os quais já se competia aos casais heterossexuais. A possibilidade de herdar a herança dos bens de seu cônjuge e a chance de adoção conjunta de crianças são dois exemplos.
A União civil entre gays
O Projeto de Lei (PL 4914/09), cujo tema trata dos direitos civis dos homossexuais, tem como autores a ex-prefeita Marta Suplicy (PT-SP) e o deputado José Genoíno (PT-SP). A proposta é a de que os casais homoafetivos devem ter os mesmos direitos e responsabilidades daqueles formados por homens e mulheres. A medida não se relaciona a proposta de casamento nem a adoção. Trata-se apenas dos direitos civis - bens, herança, previdência, segurança após a morte, aquisição de bens. Portanto, não há vínculo religioso.
“Na esfera cível, a pergunta sobre casamento entre pessoas de mesmo sexo merece atenção. É necessário destacar que o Código Civil atual, de 2002, apesar de alguns avanços, manteve o posicionamento tradicional e menos polêmico ao determinar que só é possível o casamento homem e mulher. Portanto, seguindo o texto legal, pessoas de mesmo sexo não podem casar”, informou a advogada Paula Terra.
Nos últimos anos, porém, os poderes Executivo e Judiciário têm tomado decisões que reconhecem, na prática, a união estável entre homossexuais. Na Justiça, há dezenas de sentenças, inclusive em tribunais superiores, favoráveis a casais homoafetivos relacionados a assuntos como adoção, direitos previdenciários e herança.
Com a demora do Congresso em se pronunciar, pode ser que, mais uma vez, seja o Judiciário quem decida algo sobre o assunto. Por iniciativa da Procuradoria Geral da República, está no Supremo Tribunal Federal (STF) a ação que obriga o Estado brasileiro a reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. A ação pede que o artigo 1.723 do Código Civil (Lei 10.406/02) seja considerado inconstitucional, uma vez que reconhece como família apenas a união estável entre homem e mulher.
Ainda de acordo com a advogada Paula Terra, “a melhor sugestão, à luz da legislação atual, é que ao decidir pela união homoafetiva, o casal deva procurar um advogado para análise da situação patrimonial e direitos de sucessão. Apesar de não poder ser enquadrado em regimes de bens e sucessão, é possível alguma manobra para resguardar o patrimônio do companheiro ou companheira nos casos de falecimento”.