terça-feira, 21 de setembro de 2010

O turismo controverso de São João del-Rei

Mesmo com opiniões contrastantes, turismo na cidade histórica aponta crescimento. Mas é consenso que poderia ser feito mais com relação à infraestrutura e investimentos culturais.

Carolina Gouvêia, João Eurico Heyden Junior e Wanessa Fagundes

São João del-Rei é uma cidade com enorme potencial turístico. Além de possuir uma arquitetura centenária, é palco de inúmeros atrativos culturais, o que lhe rendeu o título de Capital Brasileira da Cultura em 2007. Entretanto, apresenta alguns empecilhos para a sua real consolidação do turismo e ainda está longe de atingir o nível esperado.
Em primeiro lugar, os dados sobre turistas na cidade são pouco precisos, já que a própria Secretaria de Cultura e Turismo não possui um número oficial de visitantes e baseia seus dados em métodos não científicos. Estima-se a vinda de 100 a 150 mil pessoas por ano na cidade, mas, segundo o assistente da Secretaria, Giovani Antônio de Souza Frigo, nenhuma empresa foi contratada para fazer o serviço de pesquisa completo sobre assunto e não existem fundos para tal.
A falta de verba para investimentos em turismo é um problema antigo na cidade. Segundo Lúcia Helena Bortolo de Rezende, ex-secretária da Cultura e do Turismo, até mesmo quando a cidade foi eleita Capital Brasileira da Cultura (CBC) os problemas financeiros existiam. “Esse negocio da verba é que foi um pouco decepcionante quando São João foi eleita a Capital. Primeiro achávamos que o comitê responsável pela realização da CBC ajudaria com os gastos financeiros. Mas, na verdade, só deu apoio moral. Nós tivemos que arrumar dinheiro, patrocínio, tudo. Até mesmo a divulgação prometida não foi suficiente”, conta Lúcia. O então governador Aécio Neves destinou uma verba de dois milhões de reais à cidade, que foi toda convertida a projetos de restaurações de museus e casas importantes do patrimônio, vários projetos culturais e a vinda de companhias artísticas, como o consagrado Grupo Corpo de Belo Horizonte.
De acordo com a ex-secretária de Turismo, apesar das dificuldades enfrentadas pelos organizadores da Capital Brasileira da Cultura em São João del-Rei, muitas modificações foram feitas na cidade em 2007. Entre os projetos realizados, Lúcia Rezende aponta a criação da Casa das Artes e Cultura, na residência colonial onde nasceu Otto Lara Rezende. Entretanto, com a mudança de administração da prefeitura, não só a casa das artes foi desativada (para abrigar o departamento de água e esgoto da cidade) como quase todos os projetos realizados foram interrompidos e esquecidos, de acordo com Lúcia Rezende.
Outro fator que impede a consolidação total do turismo na cidade são os problemas relacionados à infraestrutura. Segundo Giovani Frigo, a falta de banheiros públicos, área de estacionamento de ônibus e uma área de convenções são entraves para elevar o turismo na cidade ao nível máximo. Entretanto, segundo ele, isso “não impede a vinda do turista, apenas atrapalha um pouco na questão de receptividade”.
Para o auxiliar administrativo da Pousada Villa Magnólia, Leonardo Aparecido Ferreira, ainda há muito o que fazer. Ele afirma que “o turismo deixa muito a desejar. Falta infraestrutura. Igrejas e restaurantes não ficam abertos. E faltam principalmente eventos culturais”. Leonardo ainda aponta que o fato de São João del-Rei ter sido Capital da Cultura ajudou a divulgar o nome da cidade, mas que isso não é explorado da forma adequada. Em razão da falta de preocupação da prefeitura, ele afirma que a cidade está suja, e o turista reclama.
Mas, mesmo com tantos problemas enfrentados pela cidade, o turismo tem crescido ao longo dos anos. Para Joel Dornelas, gerente do Hotel Lenheiros, o turismo na cidade se encontra em expansão: “O hotel mantém uma média de 70% das vagas ocupadas. Mesmo não havendo grande divulgação de São João del-Rei, as agências de turismo das capitais estão realizando um ótimo trabalho”. Segundo o gerente, a secretaria de turismo da cidade está fazendo sua parte, ao criar, por exemplo, a “Sinfonia dos Sinos”, um evento que ocorre uma vez por mês desde junho e que lota os hotéis do centro da cidade, mesmo em baixa temporada de turismo.
Outro exemplo desta crescente movimentação turística é a Agência de Turismo Estrada Real, empresa que realiza passeios programados pelas cidades da região. O proprietário da empresa, Márcio Honorório, conta que em julho todos os seus serviços lotaram: “Em dia de semana, eram cerca de 30 pessoas por dia. Já nos finais de semana, esse número subia para 140”. Ele ainda explica que cerca de 60% de seus clientes já haviam passado por São João e região, enquanto que os outros 40% tomaram conhecimento da cidade através de conhecidos ou por agências de turismo.
Há 25 anos como recepcionista chefe da Pousada Casarão, Adalberto Lúcio, acredita que o aumento do turismo é um reflexo do crescimento do poder aquisitivo. Segundo ele, agora “as pessoas têm dinheiro pra viajar”. Ele diz que o turismo começou realmente a dar frutos só a partir de 2008 e afirma que hoje “o número de eventos aumentou consideravelmente”. Para ele, o que falta agora é organizar. “Você vai na secretaria de turismo, eles não têm um mapa turístico pra te dar”, reclama. Adalberto reforça a ideia de que falta estrutura, e a prefeitura precisa dar mais apoio.
Por fim, a expansão da UFSJ também tem colaborado com o turismo em São João de- Rei, mesmo que indiretamente. A Universidade, além de promover grandes eventos como o Inverno Cultural, traz personalidades importantes, contribuindo nacionalmente com a promoção da cidade. Segundo o Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UFSJ, professor Marcos Vieira, é fato que o turismo é maior nas cidades históricas que possuem universidades, como São João e Ouro Preto.  “O papel da UFSJ no turismo é indireto, mas nem por isso menos importante. As universidades proporcionam um maior acesso à produção cultural local, exemplo disso foi o Inverno Cultural deste ano, que atraiu cerca de 80.000 pessoas”, afirma.

O preço da adaptação ao turismo
Adaptar-se ao turismo pode ser muitas vezes algo negativo para a população local, quando se pensa na efervescência cultural original da cidade. É o que explica Lúcia Rezende, ao afirmar que Tiradentes “pagou um preço” pela escolha de tornar a cidade um verdadeiro pólo turístico. Segundo ela, a cidade ganhou muito em economia, mas os moradores perderam seu espaço para os novos comerciantes.
“São João del-Rei, ao contrário é uma cidade dinâmica o tempo todo,  com ou sem turista. Não precisa dos turistas para que as coisas aconteçam; ela é uma cidade independente. As igrejas e as procissões estão sempre lotadas, as orquestras funcionam, a cultura permanece. Isso  é que é muito importante. E por outro lado acho que tem uma resistência dos moradores com relação ao turista. É importante manter a identidade, a tradição cultural, mas também não impedir que o turismo avance. Encontrar o equilíbrio é que é difícil. Acho que você pode abrir para o turismo, mas tomando o cuidado para não perder a identidade”, afirma Lúcia.
Giovani Frigo também ressalta que a arquitetura de Tiradentes é predominantemente colonial, “parada no tempo”. Enquanto isso, São João del-Rei consegue um dinamismo maior ao possuir uma arquitetura variada, que vai do colonial ao pós-moderno. Marcos Vieira reforça a ideia: “São João del-Rei é um caso interessante, pois, diferentemente de outras cidades históricas, seu patrimônio é ‘vivo’, pois se movimenta de forma a não servir apenas a propósitos turísticos. Vários dos prédios tombados funcionam como sede de instituições ou lojas, sem perder seu caráter histórico”.
           

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