domingo, 20 de novembro de 2011

Deus e o diabo na terra de São João

Por Nathanael Andrade

Nos primórdios da terra são-joanense, o Barroco imprimiu nos moradores as marcas de seu antagonismo peculiar. Marcas que ficaram não apenas na arquitetura e decoração dos templos, nas tradições e ritos religiosos, mas, sobretudo, na alma de seu povo. Por isso, em São João del-Rei, há sempre uma referência, uma aproximação, entre elementos tão paradoxais quanto a vida e a morte, o sagrado e o profano, o bem e o mal, Deus e o diabo. E quanto aos últimos, ninguém incorpora melhor estas figuras metafísicas (na visão de aliados e opositores), que o prefeito Nivaldo Andrade.

Nivaldo é, acima de tudo, um fenômeno. Um fenômeno eleitoral que surgiu na década de 90 e que mudou a história de São João del-Rei. Seu grande feito foi abalar a “normalidade” dos pleitos eleitorais e os fundamentos da estrutura política na cidade. Ele quebrou a hegemonia das famílias e elites locais, tornando-se o primeiro chefe do Executivo oriundo das classes populares. E, além disso, segue dominando o cenário político são-jonanense há mais de uma década, tendo sido vitorioso em todos os pleitos que disputou, outro fato inédito.

De origem humilde, semi alfabetizado e sem tradição familiar, Nivaldo apareceu no cenário político são-joanense como um discípulo ou apadrinhado do ex-governador Newton Cardoso (PMDB). No currículo, uma carreira de sucesso como comerciante (dizem que “vendia” dinheiro) e uma bem comentada administração na vizinha cidade de Tiradentes, numa época em que um diretor de uma poderosa emissora resolveu fazer da decadente cidade um grande fenômeno turístico-cultural internacional.

Além do mais, para os são-joanenses mais pobres, os discursos da tradição já não mais faziam efeito, pois precisavam de soluções práticas para seus problemas básicos. Nivaldo sempre caminhou nesta direção, buscando o apoio popular com um discurso afinado com a gramática dos mais pobres. Assim, ele passou a colher os frutos destes investimentos, consolidando, a partir de então, uma vitoriosa carreira política com passagens pelo Executivo de Tiradentes, São João del-Rei (por um e três mandatos respectivamente) e pela Assembléia Legislativa Estadual (um mandato).

Para simpatizantes e aliados, Nivaldo é quase Deus. Imagem construída ao longo de sua carreira por uma combinação de fatores favoráveis que vão desde o cenário de estabilidade econômica (Plano Real) e de consolidação dos princípios democráticos estabelecidos pela Constituição de 1988, passam pelo discurso populista afinado com os interesses da maioria da população e terminam com muitas ações, tanto no campo social como na infra-estrutura.

O asfalto tornou-se a marca de ação de seus governos. Mas também vieram pedrinhas portuguesas, reforma(s) de passeios e praças, PSF´s, restaurantes populares, funerárias populares, ambulâncias, viagens gratuitas para BH, isenção de taxas e impostos, doações...”O maior canteiro de obras do Brasil” é também a “casa da madre Tereza de Calcutá”, tamanha as bondades aqui executadas. Não é a toa que o prefeito é o “pai dos pobres” são-joanense.

Este apoio popular (mais de 50% dos votos válidos em 2009) dá ao prefeito, que enfrenta mais de 50 processos na Justiça, a confiança de dizer que, no próximo pleito eleitoral, pode escolher qual cidade da região quer governar: São João del-Rei, Santa Cruz de Minas e Tiradentes.

No entanto, para a oposição, as aparências enganam e a arte de enganar é uma das manhas do diabo. Nivaldo representa o contra-senso, o caminho do atraso e da falta de eficiência e transparência pública. “Fico triste ao ver minha cidade ser governada por um sujeito como este” – é o discurso uníssono dos que fazem oposição ao prefeito.

As críticas envolvem as obras e a forma como são conduzidas, o assistencialismo gratuito e com fins visivelmente eleitorais, a política de favorecimentos (que incha as repartições públicas com cargos em comissão), o relacionamento com a imprensa e a Câmara dos Vereadores, a ausência permanente da autoridade máxima do governo municipal – que governa São João del-Rei, ou de sua casa em Santa Cruz, ou de seu sítio em Tiradentes, dentre outras.

Nada, no entanto, abala o olhar perdido do prefeito Nivaldo. Desta forma, sem praticamente nenhuma oposição, ele segue tranquilamente a governar a cidade que diz carregar no coração. À distância, assim como Deus e como o diabo, ele cuida do seu rebanho de ovelhas e lobos.

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